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'Ela Disse' aborda a investigação que revelou um dos maiores escândalos de assédio da história recente | 2022

NOTA 8.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

Filmes que tratam de investigações sob o ponto de vista jornalístico já nos proporcionaram verdadeiras pérolas no cinema. Provavelmente o maior e mais reverenciado seja “Todos os Homens do Presidente”, cuja abordagem, apesar dos quase 50 anos de existência, tem um caráter atemporal, em grande medida graças ao excelente roteiro e fluidez narrativa, o que proporcionou as gerações seguintes terem contato com um fato histórico de extrema importância, preservando o impacto e a relevância do ocorrido até os dias de hoje. Ela Disse, novo longa da diretora alemã Maria Schrader, carrega consigo essa herança deixada pelo clássico, principalmente no que se refere ao valor histórico e urgência da discussão proposta. Assim como a obra setentista, a diferença de tempo entre os acontecimentos e o lançamento dos filmes são relativamente curtos, o que entrega ao público uma cobertura não apenas informativa, mas que também serve de alerta sobre um passado assombroso, um presente que exige ações e cuidados e um novo futuro a ser construído.

Baseado no livro de mesmo nome, a trama segue as jornalistas do The New York Times, Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan) em seus esforços para publicar a reportagem que viria a expor as alegações de abuso contra um dos homens mais poderosos de Hollywood, o produtor Harvey Weinstein.

A estrutura narrativa tem uma característica bastante familiar e pode-se dizer até mesmo formulaica, no entanto, analisando a proposta, é possível que traços menos autorais tenham sido propositais, uma vez que a diretora coloca o conteúdo em primeiro plano, logo, uma abordagem mais formalista poderia causar distrações e desvios de foco, minimizando a atenção ao que realmente interessa. Também é notável como em boa parte do primeiro ato a cineasta se ocupe em humanizar as protagonistas, mostrando que, além de jornalistas, elas são mães, esposas e tem a rotina impactada na vida pessoal e profissional. O que vem a seguir tem um padrão relativamente previsível, entretanto, o diferencial está na sensibilidade com que os relatos são representados. Apesar das descrições detalhadas, não há imagens chocantes nem seguimentos sensacionalistas, como no recente “O Escândalo” (2019) que mesmo cheio de boas intenções, o fato de contar com um homem a frente do projeto, conduz algumas cenas com certo teor fetichista. Ela Disse talvez peque ao colocar em perspectiva secundária, toda rede de proteção criada para resguardar figuras como Harvey. Com isso, a problemática permanece focada quase inteiramente na figura do produtor que, mesmo sendo ele o maior símbolo daquele momento, está longe de representar um raio em céu azul. A título de exemplo, Spotlight - Segredos Revelados” (2015) recentemente explorou as estruturas de poder de maneira mais eficaz.

O movimento que se seguiu à bem sucedida reportagem ficou mundialmente conhecido como #MeToo, dando início a uma revolução que ainda está em curso. Trata-se de uma luta contínua e um processo exaustivo de conscientização e sensibilização. Um trabalho árduo que envolve repensar a cultura na qual estamos imersos há anos. Cultura essa que normalizou muitas das práticas que literalmente destruíram a vida de mulheres desde sempre. A condenação de Harvey Weinstein foi um pequeno avanço na direção correta, contudo, são apenas os primeiros passos de um longo caminho a se percorrer.


Vale Ver!




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