'Sol' : um road movie que envereda por mágoas familiares jamais eclipsadas pelo tempo | 2022
NOTA 7.5
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
De “Lavoura Arcaica” a “Dois Filhos de Francisco” (só para ficar restrito à nossa cinematografia) as relações entre pais e filhos sempre tiveram um potencial dramático enorme. Não à toa, diversos filmes partem dessa convivência, muitas vezes forçada, para desenvolver tramas que escancaram as consequências das lacunas deixadas entre progenitor e prole, que aguardam décadas para serem de algum modo preenchidas ou, quem sabe, ampliadas. “Sol”, longa dirigido Lô Politi, tem por objetivo nos oferecer uma trajetória na qual o estreitamento das vias de acesso – até então bloqueadas – entre três membros de gerações distintas de uma família começam a se abrir.
Recém-separado, o arquiteto Théo (Rômulo Braga) tenta se reconectar durante as férias com a filha pequena, quando recebe um telefonema com notícias sobre o pai enfermo, um velho artesão (interpretado pelo sempre imponente Everaldo Pontes) a quem não via desde menino. Com este triângulo formado e com um trajeto traçado literalmente pelo Google Maps em cena bastante expressiva, Politi coloca o espectador como carona de uma viagem com ares de acerto de contas. Em seu primeiro terço, que conta com a presença luminosa de Luciana Souza (“Bacurau”), o roteiro, escrito pela realizadora, acerta ao se dedicar à reconstrução das memórias de Théo à medida em que ele vai entrando em contato novamente com o lugar onde passou a infância. Sons e imagens que evocam lembranças são cuidadosamente expostos, tendo, sobretudo, a água como símbolo da passagem do tempo e da angústia provocada por mágoas que arrastam feito correnteza forte.
Contudo, se nessa primeira parte, o filme prepara com eficiência nossa expectativa acerca dos desdobramentos da convivência entre os três protagonistas, o caminho se revela pouco inspirado no desenvolvimento dos conflitos estabelecidos. Em se tratando de um típico filme de estrada, a estrutura que alterna a dinâmica das ações e diálogos que ocorrem dentro do veículo e nas inevitáveis paradas, não geram situações que aumentem nosso envolvimento com aqueles personagens, algo que “Central do Brasil” ou “Capitão Fantástico”, por exemplo, fizeram com maestria dentro desta seara. Tudo se resume a excessivas idas ao banheiro – que visam a criação de um humor apoiado nas detalhadas descrições feitas por Malu (Malu Landim) –, diferentes formas de extravio de uma estátua de madeira com enorme valor sentimental para o velho Theodoro, ou eventuais fugas/desaparecimentos que jamais geram a tensão pretendida. Até mesmo os momentos de maior delicadeza, tal quando a neta massageia o coração do avô, não entregam, apesar de uma trilha sonora que a suplica, a emoção que, aparentemente, está ali escondida em algum lugar.
Ao se pôr, “Sol” deixa a sensação de ter desperdiçado todo o seu potencial por se render a um modelo narrativo desgastado e que, por isso, exige muito mais imaginação criativa de quem decide enveredar por ele. Com uma trinca de atores prontos para entregar um belo drama familiar, o projeto fica no meio do caminho ao não conseguir fazer com que o espectador embarque com toda sua bagagem emocional na jornada que passa, sem grandes paisagens tópicas e humanas, pela janela.
Vale Ver!
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