Adsense Cabeçalho

'As Linhas Tortas de Deus' : Oriol Paulo entrega mais um thriller instigante à Netflix | 2022

NOTA 7.5

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo 

O Cinema está recheado de histórias com reviravoltas constantes e personagens pouco confiáveis. Poderia citar alguns exemplos rapidamente. Tudo pode ser qualquer coisa e nada – ao mesmo tempo. Bastam apenas alguns segundos. Contudo, o importante aqui é pensar que tirar do papel uma estrutura menos ‘vertebrada’ e linear como essa não é uma tarefa nada fácil. No caso do thriller espanhol 'As Linhas Tortas de Deus', o espectador que acredita estar sempre um passo à frente de desvendar o grande mistério e fio condutor dos acontecimentos dentro de um manicômio, ou vê as reviravoltas sucessivas (revirarem) seu estômago ou termina entediado pelas tentativas constantes da direção que só pensa em enganá-lo. Uma coisa ou outra, definitivamente, mas por fim, precisamos concordar que há coragem e destreza ao fazê-lo dessa forma, por propor um desafio instigante à altura daquele que assiste.  

A trama acompanha Alice, uma investigadora contratada para desvendar a morte de um paciente dentro do manicômio, pelo menos é o que ela diz a um dos médicos responsáveis por sua avaliação quando chega ao local. Acontece que ela está ali também como paciente, após ser acusada de tentar ferir o próprio marido, plano que havia inventado para chegar ao epicentro criminoso – pelo menos é o que ela diz...Do outro lado da mesa e com a carteira médica nas mãos, o diretor a enquadra em um transtorno que estaria deixando a investigadora paranoica e tentando, a todo momento, reinventar sua própria realidade. Perguntas como: “...o crime realmente existiu?” ou “Será que Alice está realmente criando uma nova versão que aceitaria viver?” surgem espontaneamente à mente.

Longe de candelabros ou coronéis Mostarda a serem desvendados, o suspense nessa investigação está no duelo acirrado de narrativas e tempos, como histórias sendo contadas aos poucos, trocando-se interlocutores, versões e tentativas escancaradas de enganar o espectador ingênuo. Todos estão passíveis de confiança e todos estão passíveis de desconfiança – ao mesmo tempo. Somente quando finalmente se ultrapassam as quatro paredes do lugar e conhecemos alguns pacientes que é possível escolher os lados com maior cautela,  lembrados constantemente pela direção que insere pistas, trejeitos a personagens ou ponto de vistas que até então não haviam sido mostrados. Quando do lado de dentro, a psicologia serve apenas como condição, não ganhando a devida atenção ou prescrições preliminares. A importância está na sanidade de Alice, de alguns pacientes chave e da equipe liderada pelo diretor.

O filme é dirigido pelo espanhol Oriol Paulo, responsável por filmes como 'El Cuerpo', um terror bem construído e releitura livre de um dos clássicos de H.G. Welles e 'Contratempo' ,  um thriller inesperado e figurinha carimbada entre as indicações da Netflix em qualquer portal pela internet, até poucos dias. Ambos os filmes, incluindo 'As Linhas Tortas de Deus', carregam consigo o intuito principal de desafiar, se não apenas o espectador, mas a convencionalidade das narrativas no Cinema.  Há, dentro da linguagem cinematográfica, a vontade de brincar com as linhas do tempo e com as percepções do espectador, pois enquanto Alice resiste em sua sanidade e jura sinceridade a todos, a direção aposta em duas investigações paralelas que permitem o engajamento constante, apesar das 2 horas e 30 minutos de duração, devido as idas e vindas do roteiro. E se à psicologia clínica pouco sobra, serve apenas para preencher o quadro como uma sociedade única que reage aos embates de narrativas de Alice e os médicos – de narrativas reais e irreais.

'As Linhas Tortas de Deus' é um daqueles filmes que caminham ao lado do espectador após os créditos finais despencarem, sem definições prontas ou 'finais fechados', afinal, a arte deve ser 'aberta' e Oriol se permite deixar pontas soltas ou ‘linhas tortas’ a serem percorridas mais à frente.





Nenhum comentário