'Corsage': filme propõe olhar contemporâneo sobre a dimensão trágica da figura feminina na história | 2022
NOTA 8.0
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
A história reservou às mulheres uma trajetória árdua. No entanto, se voltarmos ao passado, não faltam figuras que subverteram os costumes vigentes e, mesmo nas circunstâncias mais improváveis, ganharam enorme notoriedade. A título de exemplo, a monarquia, assim como a igreja, são espaços tradicionalmente dominados por homens, entretanto, mesmo nessas instituições, houveram nomes como Cleópatra, Catarina II, Ana Bolena, Leopoldina e Elisabeth da Áustria, também conhecida como Imperatriz Sissi e fonte de inspiração para o novo projeto da diretora austríaca Marie Kreutzer.
A trama se passa em 1877, ano em que Elizabeth completou 40 anos. Diante de uma rotina de cerimônias rígidas e deveres reais, a imperatriz se rebela contra sua imagem pública enquanto tenta preservar seu legado.
Lançado em Cannes 2022, na mostra Um Certo Olhar, 'Corsage' é um drama de época que, apesar da estética familiar dos filmes do gênero, possui um viés contemporâneo na essência, algo bastante presente em obras recentes, como no excelente “Spencer” do chileno Pablo larraín. Ao encarar fatos sob essa ótica, é possível maior liberdade na leitura dos acontecimentos, principalmente aqueles que carecem de documentação histórica, tornando-os, assim, passíveis de ressignificação de modo a dar o devido protagonismo para aqueles a quem um dia foi negado, e é exatamente o que assistimos em 'Corsage'. Não há aqui um rigoroso compromisso com a verdade, mas sim um exercício de diálogo entre passado e presente.
Vicky Krieps está em altíssimo nível como Sissi, porém, é problemática a excessiva dependência da atriz não só para o avanço da trama, bem como para atribuir peso a ela. É compreensível que o foco seja em Elizabeth, contudo, algum contexto adicional aos arcos secundários dariam a complexidade condizente com a dimensão dos eventos. O longa surpreende quando ocasionalmente transita pela comédia. Apesar da temática densa e complexa, o humor é bem equilibrado, capaz de arrancar risadas inesperadas, porém nunca involuntárias, principalmente quando voltados a aspectos culturais e figuras relevantes da época, incluindo por vezes a própria imperatriz. Trabalhar essas contradições sem parecer maniqueísta não é tarefa fácil, e sem sombra de dúvidas o olhar feminino da cineasta foi fundamental.
Escolhido para representar a Áustria no Oscar 2023, 'Corsage' tem um conteúdo que à primeira vista parece voltado ao público interno, afinal, Elizabeth não é exatamente popular mundialmente e o longa não se preocupa em ser didático quanto a isso. Todavia, o que está escrito nos livros de história compõe a camada mais superficial da trama. Trata-se da dimensão trágica pela qual mulheres viveram num passado muito próximo e cujos avanços, mesmo que evidentes, estão longe de serem satisfatórios.
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