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'Paradise: Uma Nova Vida' : comédia italiana trabalha dilemas do crime em uma relação inusitada e surreal | 2022

NOTA 8.0

Faça o que os padres dizem, não o que os padres fazem

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

A vida, como já dizia o inesquecível personagem Forrest Gump em seu filme homônimo, é como uma caixa de chocolates; nunca se sabe o que vai ser encontrado lá dentro. Esse raciocínio falho tem seu gracejo na sinceridade humilde do falante Forrest, mas não é totalmente equivocado. Apesar de o óbvio a se encontrar sejam chocolates, existe uma margem considerável que deve ser concedida ao acaso - um erro do maquinário ou até mesmo falha humana. Fato é que, embora improvável, é possível que uma caixa de chocolates contenha outras coisas se não seu item previsto. Com esse pensamento em mente, considerando as impossibilidades e os acasos que acometem os sortudos (ou azarados) que as encontram, fica mais fácil entender a natureza complexa de 'Paradise: Uma Nova Vida'.

Lançado em 2019 e só chegado ao Brasil no último (mais um atraso de distribuição para as contas da pandemia), o filme é um festival de trapalhadas e improbabilidades que conta com todo o charme que o cinema italiano consegue oferecer - e ele trata, justamente, de encontrar algo onde não devia estar e quebrar o óbvio. Temos aqui uma pergunta simples: O que se espera quando se faz parte de um programa de proteção a testemunha? E em resposta imediata temos: que se mantenha uma distância segura e escondida do alvo do testemunho, para que o mesmo não possa causar danos ao testemunhante (um vendedor de raspadinhas que teve o infortúnio de presenciar um assassinato). Aqui, por ironia da vida, o testemunhado (um assassino da máfia) faz um acordo depois de preso e se torna, de igual maneira, uma testemunha - sendo enviado para o mesmo refúgio que aquele que o colocou na cadeia. Para o vendedor de raspadinhas (interpretado com caras, bocas e olhos esbugalhados por Vincenzo Nemolato), é como abrir uma caixa de chocolates e, no lugar dos doces, encontrar uma serpente prestes a dar o bote.

A direção de Davide Del Degran é bem consciente da obviedade que uma trama assim demanda, e escapa desse lugar comum colocando o que se esperaria de um clímax logo no primeiro terço do filme. O enfrentamento entre a testemunha e o assassino se dá de um jeito inusitado e revelador, conseguindo deixar mais interrogações do que definições quanto a o que acontecerá até o final da exibição. O contato entre os dois homens vai se estreitando até que, inevitavelmente, surgem revelações e o jogo vira abruptamente, colocando a dupla protagonista em outras posições fora do convencional. 'Paradise: Uma Nova Vida' é, nesse aspecto, uma comédia de absurdos que se destaca dentre os tantos outros filmes italianos justamente por exigir uma intuição ofensiva de seu público. O assassino tenta de fato se reconectar consigo mesmo e recomeçar a vida longe do tumulto e dos fantasmas que deixou, e a testemunha, que se chama Calogero, só quer voltar para casa, encontrar a esposa e conhecer sua criança recém-nascida que precisa de um pai vivo para criá-la. No meio disso está uma comunidade nos alpes italianos, vilarejo esse que agora tem um vendedor de raspadinhas que é tão necessário quanto um vendedor de gelo na Antártida.

Com alguns bons dilemas e personagens que oscilam entre a caricatura e o estereótipo, 'Paradise' é um entretenimento de bom gosto que promove um repensar astuto imediatista sobre o quão frágil é a vida e quão sensíveis são as relações que se constroem em meio a segredos e temores de morrer. Não é uma comédia para arrancar gargalhadas absurdas, mas diverte por ser improvável e levar seu público a duvidar que há chocolates em caixas de chocolates.








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