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'Esquema de Risco: Operação Fortune' : produção resgata elegância clássica dos filmes de espionagem | 2023

NOTA 9.0

- Gosta de dançar?
- Gosto do John.

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Sempre defendi a experiência de ir ao cinema como um exercício sensorial. Visão e audição são os mais óbvios, mas de uns anos para cá tato, olfato e paladar também tem ganhado espaço em salas com poltronas que se movem em sincronia com a ação do filme e salas VIP com cardápios gourmet, servindo pratos similares aos que o filme exibido apresenta em suas cenas. Poucas vezes, contudo, foi possível um filme me fazer experimentar sensações em outros sentidos além dos dois óbvios já supracitados sem o auxílio de outros recursos além dos tradicionais. 'Perfume: A História de um Assassino' (2006) é um deles, que me embriaga com seus odores sugeridos e deixa meu cérebro à cargo de preencher as lacunas olfativas enquanto descreve misturas inusitadas de cheiros e ingredientes com tons dos mais diversos tipos. Curiosamente, um filme que não tem essa proposta conseguiu me evocar uma sensação parecida (embora em uma escala demasiadamente menor, mas ainda assim funcional) enquanto eu o assistia foi  'Esquema de Risco: Operação Fortune', longa-metragem dirigido por Guy Ritchie que chegou aos cinemas brasileiros no início de 2023.

E devo lhes dizer, que filme cheiroso! Falo isso sem nenhum teor de zoeira e sabendo do risco do ridículo que corro com tal afirmação, mas tenho que ser justo comigo mesmo e assumir que a elegância vista na tela é tão grande que chega a ser inebriante. O filme tem cheiro de anos oitenta, cheiro de quarto de hotel chique recém limpo, e cheiro de roupa feita sob medida em alfaiataria cara. Guy Ritchie confirma a volta de sua veia ao cinema de ação com mais um grande trabalho após dois excelentes lançamentos nos últimos anos ('Magnatas do Crime' e 'Infiltrado'), depois de ter migrado para a fantasia com o musical disneylândico 'Aladdin' (2019) e o terrivelmente esquecível 'Arthur: A Lenda da Espada' (2017). Temos aqui o primeiro capítulo de uma franquia promissora, com um elenco tão bem escalado que a química em cena chega a ser hipnótica em alguns momentos, tornando impossível desviar o olhar em meio a tantos flertes e comunicações não-verbais. O roteiro é um pouco frágil e previsível nos adornos de sua base, e a trama é batida, claro que sim, mas há de se convir que quem o assiste encontra nele um conforto familiar que o cinema de ação atual carece bastante, principalmente na era John Wick e pós Jason Bourne. Mas não se deixe enganar pela aparência simples do filme; os cheiros mais comuns se tornam essências marcantes nas mãos de bons boticários - e em 'Operação Fortune' tudo é tão sedutor que o filme chega a emanar um cheiro constante de sexo.

Não, não é um filme para ficar excitado e não foi isso o que ele me provocou. O tal cheiro a que me referir se dá pelo nível elevadíssimo de erotismo que permeia as quase duas horas de rodagem do filme, que não apelam, necessariamente, para pornografia ou explicitismo. Tudo é sugerido em provocações e closes insinuantes em lábios e mãos, além de alguns joguinhos linguísticos de duplo sentido que fazem a quinta série que habita em nosso interior pular de alegria com tantos trocadilhos e piadas de cunho sexual - e por falar em "sexual", existe uma tensão sexual crescente, que se alarga para todos os lados e vai fermentando ao longo do filme, revelando alguns ótimos momentos de gargalhadas e riscos mortais que são contornados (ou não) com mais humor sexual; mas isso não compromete o filme em sua seriedade, pois a intensidade sensual sugestiva que Ritchie emaranha em sua trama pseudo-simplória é justamente o que faz o filme ser memorável. É um filme de ação, com um alto nível de comédia, uma dose enorme de violência e uma carga erótica substancialmente implícita, mas constante e difícil de ignorar. O cheiro da elegância (quero enfatizar esse cheiro, consciente de estar sendo repetitivo) é tão forte e atraente que, honestamente, é fácil se ver nas luxuosas e higiênicas locações escolhidas para a execução das tantas cenas de ostentação que o filme possui.

Sobre a ação, é inegável que Ritchie esteja hoje ainda mais consciente do que estava vinte anos atrás. O controle criativo e a orientação das cenas é algo lindo de se ver, fazendo valer o espetáculo de um filme escapista dos anos setenta e oitenta, mas com as pirotecnias que o cinema contemporâneo consegue oferecer e, claro, sem o típico charme galante de James Bond. É um jogo de gato e rato com traições, surpresas, teorias conspiratórias sólidas e muita testosterona contrastando com a delicadeza brutalmente intelectual de uma agente que, propositadamente ou não, faz uma inversão de papéis no tão criticado mansplaining. Destaco a edição excelente feita por James Herbert, parceiro de Ritchie em vários de seus filmes (inclusive no excelente 'Infiltrado') e que aqui retorna para mais um trabalho de altíssimo nível, com uma montanha russa de emoções e sincronias incrivelmente manipuladas que só um verdadeiro dominador da técnica consegue elaborar. E assim, mais uma vez Guy Ritchie acerta em seu cinema brucutu desde a escolha do elenco (todos muito bem em seus papéis, em especial Josh Hartnett e Hugh Grant) até o humor físico milimetricamente dosado. Como diz o próprio filme, "não se usa óleo de peixe em uma Ferrari" - e Guy Ritchie sabe muito bem o que usar, como usar e onde usar. É muito bom ter Ritchie de volta à sua melhor forma.





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