'Oferenda ao Demônio' : longa abusa dos clichês em trama cheia de simbologia | 2023
NOTA 4.0
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
Na prática da análise e da crítica existem termos e adjetivos comuns e bastante repetidos, muito embora, alguns sejam incompreendidos pelo senso comum e até mal empregados pelos próprios profissionais. Um deles é a tão batida “falta de originalidade”. A efemeridade dos nossos tempos nos tornou escravos da inovação e condicionou nosso olhar de modo a assimilar o bom ao novo, no entanto, é perfeitamente plausível uma boa história ser contada a partir de convenções de gênero, assim como é possível formas mais alternativas fracassarem. O termo “datado” é outra figurinha carimbada. Geralmente empregada de maneira pejorativa, a rigor ela se refere a algo que possui determinada data ou faz parte de uma época. O problema na assimilação com o negativo vem do fato de que toda técnica tem idade, logo toda obra é fadada a se tornar datada. Se voltarmos nossa atenção aos cânones do cinema, quase a totalidade remete a períodos bastante deslocados dos nossos, ainda assim são tidos como clássicos sem os quais a linguagem audiovisual não existiria tal como a conhecemos. Diante do exposto até aqui, “Oferenda ao Demônio” se faz valer de muitos clichês que surgiram ao longo do tempo, o que conforme já mencionado, não configura erro. Entretanto, o longa parece preso ao passado e, mesmo lançado em 2023, suas escolhas formais e estéticas parecem oriundas dos primórdios dos anos 2000.
Na trama acompanhamos o filho de um agente funerário que retorna para casa com sua esposa grávida na esperança de se reconciliar com seu pai. Porém, um antigo mal está à espreita e tem planos sinistros que irão tornar a vida daquela família um verdadeiro inferno.
Uma jovem desaparecida, um necrotério no subsolo, uma entidade sobrenatural que assombra o lugar, um ritual mal sucedido, reconciliação familiar, esposa grávida cuja criança é cobiçada pelo maligno. Soa familiar? Se você já assistiu mais de três filmes de terror na vida, provavelmente já se deparou com duas ou três dessas características, com chances grandes da maioria terem resultado em bons projetos. Contudo, bons ingredientes nem sempre fazem bons pratos e, assim como na culinária, no cinema o que importa é a unidade. A arte não comporta regras fixas, mas é importante pensarmos como os diferentes aspectos da linguagem se comunicam. Em “Oferenda ao Demônio”, os clichês citados estão presentes na primeira meia hora de projeção, o que leva a crer que a concepção do longa passou por uma pesquisa no google do tipo “faça você mesmo”. Indo direto ao ponto, a construção de tensão está intimamente ligada a quesitos técnicos focados na ambientação, trilha sonora, etc... Pois bem, por mais que seja óbvio que esses artifícios manipulem nossas emoções, neste filme a falta de sutileza nos desperta para essa intenção, minimizando consideravelmente o impacto. O uso do “jump scare” é, sem dúvida, o mais preguiçoso e, aqui, o mais utilizado. O simbolismo hebraico dá um certo ar de frescor à obra, uma vez que a ótica cristã é mais frequente nesses casos, especialmente envolvendo demônios ou artefatos sagrados. O elenco não é dos melhores. As interações são básicas, as falas transbordam textos decorados e as reações abusam nos maneirismos, tornando os personagens unidimensionais.
Classificar o filme como “ruim” ou “perda de tempo” seria no mínimo injusto. Muito dessa análise vem de uma perspectiva comparativa que pressupõe certa bagagem no terror. Isso quer dizer que “Oferenda ao Demônio” tem potencial para atrair recém iniciados no gênero. Já para aqueles com maior vivência, a experiência é familiar e o conjunto da obra pode soar requentada, com uma diversidade enorme de elementos que deram certo em outros trabalhos, porém aqui conectados por linhas tortas e becos sem saída.
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