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'O Pior Vizinho do Mundo' : remake estrelado por Tom Hanks abraça a ternura e faz dela um espetáculo intimista | 2023

NOTA 9.0

Você acha que tem que fazer tudo sozinho. 
Adivinha só: ninguém consegue.

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Tenho criticado assiduamente a atual crise de identidade vista em Hollywood. Vivemos uma era de reciclagens daquilo que já foi sucesso - que é reexposto em uma embalagem gourmet com um apelo enorme de saudosismo -, onde reaproveitamentos de acertos de outros mercados (isto é, outros países) acabam ganhando uma nova roupagem em inglês para alcançar aquela parcela (enorme!) de estadunidenses que tem preguiça de assistir filmes legendados. Boas ideias e bons filmes acabam sofrendo uma "americanização" que beira o invasivo, onde aquilo que era excelente acaba convertido a algo genérico e por vezes desalmado (quando comparado ao material original, no caso). Nem foi preciso pensar muito para lembrar os casos de 'Olhos da Justiça' (2015) e 'Amigos Para Sempre' (2019), que recontam em inglês as histórias vistas no excelente argentino 'O Segredo dos seus Olhos' (2009) e no brilhante francês 'Intocáveis' (2012) - mas sem o espírito inventivo e humanidade crua que tais obras emanam. Partindo daí, o novo filme estrelado por Tom Hanks e dirigido por Marc Foster, que no Brasil ganhou o título de 'O Pior Vizinho do Mundo', tinha tudo para ser só mais uma versão ordinária de filmes extraordinários, mas para minha surpresa se mostrou uma das obras mais tocantes que vi no cinema nos últimos anos.

Adaptando o longa-metragem sueco 'Um Homem Chamado Ove', que foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2017 e que por sua vez adapta o livro de Fredrik Backman, o filme da vez trabalha com muito tato - e coração - a rotina de um senhor ranzinza e obcecado por ordem (Ove, que aqui se chama Otto e é interpretado por Hanks) enquanto lida com sua vizinhança atrapalhada e simultaneamente planeja cometer suicídio. Suas tentativas, no entanto, são sempre frustradas pela interferência dos vizinhos que, sem saber as razões do constante mal humor e da arrogância interminável do velho homem, acabam lhe ensinando algumas lições importantes e o levam a reaprender a apreciar a vida. Em uma primeira vista a premissa parece estar repleta de elementos de cartilha, indicando uma trama mecânica e limitada como as tantas outras que o cinema atual apresenta nos seus mais variados gêneros. Contudo, ao invés disso, o filme vai se desdobrando organicamente enquanto desenvolve seus minutos com leveza e ternura, levando o público a acreditar na naturalidade da cadência dos eventos e na forma como eles repercutem tanto na vida de Otto como na dos vizinhos. E aos poucos a aversão se torna compaixão, isso na interação dos personagens entre si e na dinâmica entre o público e o protagonista - que começa o filme detestável e aos poucos vira alguém nitidamente frágil, um refém do próprio vazio.

O resultado do trabalho primoroso de adaptação que é visto no filme sueco reverbera aqui quase como uma cópia direta, mas ainda assim o novo filme é uma das jornadas mais satisfatórias e sentimentais do cinema atual, com personagens cujos defeitos e imperfeições permitem ao público dar razão para todos os lados e o faz refletir sobre seus próprios julgamentos e preconceitos. Sem exageros, 'O Pior Vizinho do Mundo' é o "filme fofo" mais emocionante dessa última temporada, arrancando risadas altas e lágrimas sinceras por onde passa. A produção aqui é tão envolvente que, mesmo conhecendo o final da história por ter visto a versão sueca, foi inevitável a conexão com os personagens e as vidas problemáticas deles, que encontram conforto uns nos outros enquanto se ajudam a superar traumas e desafios com uma crescente vibrante de intimidade e afeto. A trilha de Thomas Newman coloca um peso nítido no luto, mas ao mesmo tempo impõe beleza e leveza às dores que Otto e seus vizinhos carregam consigo, reforçando com bom humor que sempre existe algo belo a ser contemplado. 

'O Pior Vizinho do Mundo' é uma obra de pessoas comuns, onde valores e sentimentos são colocados na mesa para debate e rendem diversas emoções que culminam no amor entre os semelhantes e diferentes, e principalmente o amor a si mesmo e às próprias cicatrizes. Um espetáculo íntimo, mas de caráter universal.






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