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'A Garota Radiante': encantadora personagem-título ilumina uma França frente às trevas do nazismo | 2023

NOTA 8.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme 

Quando nos deparamos com um filme cuja temática já foi bastante trabalhada, o mínimo que se espera dele é uma abordagem diferente em alguma medida, seja no tom ou na forma como a história se apresenta. Em “A Garota Radiante”, vemos a ascensão do nazismo por uma ótica bastante singular, distante daquela que costumamos ver em pancadas cinematográficas como os seminais “A Lista de Schindler” e “O Pianista”, por exemplo. Se as obras-primas realizadas por Steven Spielberg e Roman Polanski, respectivamente, chocavam o espectador pela crueza com a qual exibiam os horrores perpetrados pelos soldados de Hitler, o longa de estreia da atriz Sandrine Kiberlain investe na criação de clima de aparente leveza, no qual os olhos resplandecentes da jovem Irene (uma adorável Rebecca Marder) são dois faróis a iluminar uma França durante a ocupação alemã em 1942.   

Durante praticamente toda a primeira metade da narrativa, a direção de Kinberlain é inteligente ao evitar ambientes externos, o que nos deixa uma equivocada sensação de que ela está apenas criando subterfúgios para esconder o baixo custo da produção. No entanto, tal estratégia revela-se um importante recurso que ajuda a nos aproximar do mundo da protagonista, que se resume, até certa altura, à interação com a família e com os integrantes da escola de teatro que frequenta. Dessa forma, minuto a minuto vamos sendo contagiados pela vivacidade daquela linda moça judia que, como qualquer pessoa de apenas dezenove anos, é um manancial infindável de sonhos e uma usina nuclear de energia.

Contudo, pouco a pouco as cenas leves de Irene com os familiares, ou as que retratam a divertida montagem da peça “L’Épreuve”, de Marivaux, vão dando lugar à tensão provocada pelas reações cada vez mais hostis da população da cidade contra os judeus: “Nós não estamos com a praga!”, reage Irene diante de olhares inquisitórios. A partir de então, o temor por tudo que a moça representa já nos tomou conta, algo que se amplia com o surgimento de um interesse amoroso. E, curiosamente, é no momento em que a personagem-título está absolutamente encantada por Jacques (Cyril Metzger), o jovem assistente de um oftalmologista, que “A Garota Radiante” guarda a sua mais triste metáfora, quando um olhar inebriado pelas múltiplas possibilidades da vida em sua primavera não enxerga a dimensão do horror que se aproxima.

Assim, dotada de uma sutileza exemplar ao lidar com um tema pesado e tão abordado no cinema, Sandrine Kinberlain – que também assina o roteiro – demonstra notável habilidade para compor um drama de guerra que jamais se anuncia como tal durante boa parte de sua duração. Com o domínio de quem se candidata ao posto de grande realizadora, ela é sábia ao personificar o mal na hora certa, através de um plano simples e aterrador, para fazer ruir qualquer esperança por parte de quem viu com as lentes embaçadas essa tragédia disfarçada de idílio.




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