Adsense Cabeçalho

'Criaturas do Senhor': nova produção da A24 tem grandes atuações e trama aterradora | 2023

NOTA 8.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

Dirigido pela dupla Saela Davis e Anna Rose Holmer, o longa trata do retorno do jovem Brian (Paul Mescal) para a pequena comunidade pesqueira onde vive sua família. Surpresa com o reaparecimento após anos de ausência, sua mãe Aileen (Emily Watson) tenta reestabelecer a ordem familiar uma vez perdida.

Lançando no festival de Cannes 2022, “Criaturas do Senhor” é mais um projeto da A24 em um ano que a produtora teve o melhor desempenho em premiações de sua história. Nesse cenário em alta, o mais recente filme pode não estar à altura dos demais, mas sem dúvida é digno de atenção. 

O elenco conta com a veterana Emily Watson, dotada de uma performance que se sustenta sobretudo pelo olhar extremamente expressivo, cuja força não raramente dispensa qualquer diálogo. Além da estrela em ascensão, Paul Mescal, agora com uma indicação ao Oscar no currículo e aqui com atuação voltada a aspectos mais sombrios e até manipulativos, algo que destoa completamente de seu trabalho anterior em “Aftersun”.

Ambientado em um pequeno vilarejo longe da cidade e de clima invernal, a paleta de cores acompanha essa atmosfera gelada e distante. A distância inclusive, reflete muitas das relações interpessoais da comunidade. Esse distanciamento pode ser um fator restritivo e prejudicar a conexão do espectador com os personagens, entretanto, é uma escolha criativa legítima, longe de ser um defeito. Os conflitos em sua maioria têm origem no passado, porém, não há muito contexto ou flashbacks explicativos. Optando pela sugestão, a narrativa se desvencilha de armadilhas comuns como diálogos expositivos e qualquer traço de didatismo que nivele o público por baixo. A trilha sonora se assemelha as do gênero de terror, dando volume às cenas e evocando o suspense com batidas graves e uma percussão que, a depender dos acontecimentos, varia entre o ritmado e a total desarmonia. Ainda sobre ritmo, o primeiro ato é demasiadamente alongado e demanda certa paciência, todavia, uma vez a problemática posta, cerca de 40 minutos depois, a tensão se torna mais palpável, mostrando, enfim, a que veio.

O título do projeto é curioso, mas também muito revelador. Em Efésios 2:10, a bíblia se refere a nós como criatura: “Nós somos criatura de Deus”. Essa distinção entre criação e criatura fica mais clara em Gênesis 1:27: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Em resumo, estamos ligados a uma origem de criação divina (Adão e Eva), contudo somos fruto de uma continuidade que se deu pela vontade da carne e a perpetuação do sangue do homem. No longa vemos Aileen como uma matriarca que projeta no jovem Brian um olhar inocente (ou quem sabe iludido?), tradicionalmente proveniente da criação materna. Toda narrativa passa pelo processo de desconstrução do ideal materno e a perda dessa inocência tardia. 

Profundamente melancólico e angustiante, especialmente para o público feminino, “Criaturas do Senhor” é um prato cheio para os entusiastas das tragédias clássicas tão presentes no imaginário popular e que aqui, pra nossa sorte, é muito bem representado. 






Nenhum comentário