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'Evolução': produção caminha pela linha tênue que separa vigor estético e exibicionismo | 2023

NOTA 4.0 

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

O cineasta húngaro Kornél Mundruczó já havia exibido sua atração pelo plano-sequência na cena mais famosa de seu projeto anterior, o irregular “Pieces Of a Woman”, e não seria de se estranhar que “Evolução”, obra que esteve na seleção do Festival de Cannes há dois anos, trouxesse em algum momento uma nova utilização do recurso. No entanto, se no drama estrelado por Vanessa Kirby, o dispositivo servia à intenção de obter um maior realismo na angustiante cena do parto, aqui, ele está mais como o instrumento de um exibicionismo fetichista do que para algo que ajude a ampliar o alcance de sua mensagem.

Dividido em três atos, que podem ser encarados isoladamente como médias-metragens, vemos gerações de uma família judia sendo afetadas em maior ou menor grau pelos efeitos do nazismo. No promissor início, durante a Segunda Guerra Mundial, acompanhamos o tortuoso trabalho de um grupo de homens designados para lavar o que parece ser uma câmara de gás. Em meio àquele cenário de horror, quando é praticamente impossível não lembrar do soberbo “O Filho de Saul”, a intensidade da câmera, aliada à bem coordenada movimentação dos atores, é o que há de melhor dentre as opções estéticas empreendidas por Mundruczó.

Contudo, a partir do surgimento de uma pequena sobrevivente, o que antes era exposto através da potência das imagens assume um caráter verborrágico que nada contribui para aproximação do espectador com aquilo que é dito e, consequentemente, com aqueles que dizem. É quando somos transportados para um interminável diálogo entre mãe e filha dentro de um apartamento numa Berlin contemporânea. E lá vai a câmera passear pelos cômodos do lugar enquanto a discussão entre as personagens é modulada nos mais diversos tons, o que tira qualquer possibilidade de conexão com o que é expresso pelo texto da roteirista Kata Weber, esposa do diretor. Nesta segunda parte, a preocupação de Mundruczó em não nos deixar esquecer de que se trata de um extenso e “elaborado” plano-sequência é tamanho que uma das personagens abre a janela da cozinha só para que a câmera possa fazer uma pirueta gratuita do lado fora – quando faz questão de focar até num pombo(!) – para, em seguida, voltar ao cerne do embate.

E, infelizmente, nada melhora no terço derradeiro da narrativa, quando a juventude funciona, em tese, para que tudo se encerre com uma perspectiva mais otimista. A aproximação entre duas figuras que poderiam representar um sinal de esperança frente ao ódio xenófobo se mostra sem viço justamente por não se desenvolver diante de nossos olhos, já que muito tempo é gasto com perambulações em suposto tempo real. Percebe-se, então, que, mais uma vez, a linha contínua e ascendente proposta pelo título se resumiu bem mais ao dispositivo narrativo escolhido do que na intenção de desenvolver os seres humanos que a representariam.

Assim, sabotada pelo encanto extremo que seu realizador tem por um recurso – fruto, talvez, da admiração pelo genial compatriota Bela Tárr?-, essa produção assinada por Martin Scorsese desperdiça uma ótima oportunidade de desenvolver uma rica discussão sobre um perigo cada vez mais real: o retorno em escala global, inclusive dentro do próprio governo húngaro, de simpatizantes de pensamentos monstruosos.






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