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'Dançando no Silêncio': produção é um drama sobre superação que dá voz ao corpo feminino | 2023

NOTA 6.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

As primeiras imagens de “Dançando no Silêncio” trazem a protagonista sozinha, ensaiando um número de balé no terraço do prédio onde mora. Devido aos fones de ouvido que usa, não ouvimos a música que a embala; temos acesso, apenas, a seus movimentos, suas expressões de esforço e os sons decorrentes dele. Houria é, já em sua apresentação, uma espécie de símbolo solitário de determinação, e a dor, exposta durante a retirada das sapatilhas umedecidas com sangue, mostra-se como uma indesejada (e insistente) companheira no decorrer da trama do novo longa de Mounia Meddour.

Formada em educação física, a jovem interpretada com vigor por Lyna Khoudri divide-se entre as aulas de dança, o trabalho como faxineira num hotel e uma rotina de apostas em rinhas de carneiros, das quais participa com o objetivo de juntar dinheiro para comprar um carro. Porém, sua vida mudará radicalmente quando, numa dessas noites clandestinas, ela é violentamente atacada por Ali (Marwan Fares), cuja consequência mais drástica será a perda de sua capacidade de se expressar pela voz.

A partir daí, seremos testemunhas do processo de reaprendizado por qual Houria passará em sua nova condição. A travessia por estágios como negação e aceitação, que conta com cenas até um tanto clichês, como a que mostra a jovem percebendo a existência de pessoas que sofreram traumas tão ou mais graves que os dela, domina boa parte da narrativa. E será no contato com outras mulheres fortes e marcadas por perdas como ela, no qual o senso de coletividade ganha bastante força, que surgirá o entendimento de que a mudez não a impedirá de seguir dançando. 

Em paralelo a essa redescoberta, Meddour, assim como fizera em “Papicha”, vai tecer por meio de personagens entregues a uma atitude criativa – a moda, no caso do longa de 2019 – um comentário sobre o contexto sócio-político argelino. Aqui, o terrorismo e a anistia promovida pelo governo do país africano não aparecem como um elemento central; no entanto, as ranhuras decorrentes de atos extremistas são expostas e a forma como aquela sociedade os encara é expressa metonimicamente através de Houria e Ali, sobretudo quando opressão, medo e sede por justiça se entrelaçam, fazendo com que a moça enfrente, inclusive, o moralismo da polícia local.  

Assim, entre a jornada pessoal de superação empreendida por sua protagonista e o apontamento de feridas políticas, Mounia Meddour constrói um drama que, embora tomado pelo trágico durante boa parte de sua duração, consegue manter um bem-vindo distanciamento que o impede de tropeçar no dramalhão barato enquanto baila pela tela. Dignificado pelo trabalho de sua atriz principal, “Dançando no Silêncio” é eloquente ao colocar corpos femininos – agora no plural – como potentes veículos de comunicação. 







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