Adsense Cabeçalho

'Visões de Ramsés': longa francês direciona nosso olhar para uma Paris que ‘o cinema turístico’ não vê | 2023

NOTA 6.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

“Eu faço um espetáculo... eles gostam, eles voltam.”

Numa breve pesquisa sobre a região que serve de cenário e que dá nome ao segundo longa-metragem de Clément Cogitore, a primeira expressão que surgiu, em letras garrafais, disse-me muito sobre o que foi visto em tela: “a Paris que o turista não vê.” Longe dos cartões postais e de todo o glamour de uma das cidades mais encantadoras do mundo – imagem esta vendida também pelo cinema – “Visões de Ramsés” (“Goutte D’or”, no original) vai utilizar a figura de um charlatão que ganha a vida através da performance de sua suposta vidência para desvelar aquilo que, obviamente, a secretaria de turismo da Cidade Luz (ou o órgão equivalente por lá) não mostra em suas propagandas.

Refúgio de imigrantes de diversos países, sobretudo vindos do continente africano, a localidade aparece na trama como instância à parte, com leis e lideranças próprias, as quais Ramsés (Karim Leklou) passa a incomodar com o sucesso de suas sessões quando estas ultrapassam os limites territoriais acordados tacitamente por uma verdadeira máfia da mediunidade. Um entre tantos exploradores da credulidade humana a ganhar a vida por ali, o vidente, para satisfazer sua clientela fiel, conta com um pequeno (mas eficiente) time dando-lhe o suporte necessário, seja através de pesquisas sobre o passado dos clientes em redes sociais, seja fornecendo alguma proteção pessoal, e de uma estrutura razoavelmente profissional para que o golpe funcione. E, além de ter que lidar com as consequências de sua ascensão neste mundo paralelo, Ramsés verá sua trajetória mudar de vez quando uma visão real o faz encontrar o corpo de um menino, membro de um grupo de menores infratores.

As perambulações noturnas do protagonista por becos e pequenas lojas abrem a narrativa e os olhos dos espectadores para a realidade vivida por aqueles que estão à margem numa sociedade que vende ares de sofisticação e que insiste em esconder suas mazelas. Por sua vez, na contramão desse hábito de varrer para debaixo do tapete sérios problemas cada vez mais latentes, o roteiro escrito pelo próprio cineasta faz misticismo e realismo social se manifestarem de forma quase indissociável, especialmente ao abrir espaço para o grupo de jovens marginalizados, que apresenta um misto de inocência e imposição – observe como eles se desarmam diante do pai do protagonista – próprias de quem ainda resguarda as crenças ancestrais trazidas em botes precários e uma instintiva necessidade de sobrevivência.  

Obra que esteve em cartaz na semana da crítica em Cannes no ano passado, “Visões de Ramsés” ilumina os becos escuros de uma Paris distante daquela celebrada com esplendor desde a Nouvelle Vague. Embora careça, por vezes, de maiores chamarizes estéticos para além de uma câmera grudada sobre os ombros de seu personagem central, o projeto deixa em seu rastro um panorama que passa ao largo de qualquer romantização. Visão esta que, justamente por ser incômoda e nada sobrenatural, também guarda seu impacto.






Nenhum comentário