Adsense Cabeçalho

“Máquina do Desejo”: doc celebra vida e obra de um dos maiores dínamos das artes cênicas brasileiras | 2023

NOTA 8.5

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


“Tem duas máquinas: a máquina do desejo e a máquina da guerra. Desejo!”

Existem artistas que acabam transcendendo sua materialidade física, atingindo uma importância e um caráter mítico, quase messiânico, e Zé Celso Martinez Corrêa é um desses casos. Fundador de uma das mais importantes casas das artes cênicas brasileiras, o Teatro Oficina, Zé Celso atuou (em todos os sentidos possíveis do termo) como uma espécie de entidade que tomava de assalto os corpos daqueles que se deixavam levar pelo “ardor irresistível” com o qual contagiava seus discípulos e o público.

Ressignificado com a triste coincidência de um lançamento tão próximo à sua trágica morte, o documentário dirigido por Lucas Weglinski e Joaquim Castro acabou ganhando, além de sua importância como registro, uma aura de homenagem póstuma (ou réquiem) que celebra vida e obra deste dínamo de nossa cultura. Trazendo um compilado de imagens de arquivo, que se organizam a partir das peças encenadas por ele, a narrativa também incorpora vozes de figuras que orbitaram a trajetória de um homem que dedicou seu tempo (e há bem mais precioso?) a travar, com o sorriso de quem vivenciou o que chamava de “felicidade guerreira”, diversas batalhas para dar continuidade a uma obra revolucionária.

Dos imbróglios com os generais do período ditatorial – que culminou num exílio em terras portuguesas –, passando pela reconstrução após um incêndio (que triste coincidência...) que consumiu suas instalações e que as deixaram inativas por dezessete anos, até uma longa batalha jurídica pela área que abriga o teatro contra ninguém menos que Silvio Santos, é possível perceber como o longa trabalha a persona de Zé Celso, sempre vinculado e ao mesmo tempo ultrapassando aquele espaço, como um ser aguerrido tanto na verve metafísica do ato criador (“Você só tá vivo se você tá criando.”, diz em dado recorte) quanto numa dimensão mais terrena, como administrador de um lugar que não está alheio às intempéries da vida prática.  

Permeado por falas de gente do quilate de Chico Buarque e Ittala Nandi, “Máquina do Desejo” conta, através de rico trabalho de montagem, a história de um gigante sem par. Devorador de tudo, como um bom herdeiro oswaldiano, Zé Celso regurgitou, em seus transes dionisíacos, diversos marcos que mudaram para sempre a forma de encenar, dos clássicos aos modernistas. Tendo como templo em louvor à liberdade criativa o prédio situado na rua Jaceguai, cujos traços tem a assinatura da arquiteta Lina Bo Bardi, o mestre deixará ecoando pela eternidade, mesmo na forma de assombro, um inestimável legado à espera daqueles que ainda desejam. Evoé! 




Nenhum comentário