Adsense Cabeçalho

'Passagens' : o cineasta Ira Sachs aborda a dinâmica dos afetos na Pós-Modernidade | 2023

NOTA 8.0

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica


“A conveniência é a única coisa que conta, e isso é algo para uma cabeça fria, não para um coração quente” - Zygmunt Bauman 

Um filme, assim como qualquer manifestação artística, não existe no vácuo. Toda e qualquer obra dialoga com seu tempo. O romance talvez seja a abordagem que mais pareça destoante quando comparada aos seus predecessores, mesmo os de poucas décadas atrás. O cinema é uma arte jovem, mas com pouco mais de um século acompanhou profundas transformações e hoje, com a pós-modernidade, ao olharmos para o passado da sétima arte, é comum nossa perspectiva ser de estranhamento. Diferente dos modernos que separavam as razões dos afetos, ou dos que acreditavam na supremacia da razão para, para o pós-moderno não é bem assim que funciona. Parcela importante dessa mudança de eixo veio com a revolução sexual, importante movimento que, assim como qualquer quebra de paradigma na história humana, promoveu avanços e contradições. A liberação sexual é estimulante, porém, uma vez livre das estruturas de poder, esse bater de asas não promoveu apenas contentamento. Dirigido por Ira Sachs, “Passagens” tem como cenário o que o pensador Zygmunt Bauman convencionou chamar de “tempos líquidos”, e refletindo sobre essa “insustentável leveza do sexo”, o cineasta retrata os dramas e conflitos de três personagens típicos das grandes cidades. 

Na trama acompanhamos Tomas (Franz Rogowski) e Martin (Ben Whishaw), um casal em crise após Tomas relevar ter tido relações com a jovem parisiense Agathe (Adèle Exarchopoulos). Inicialmente satisfeito e aparentemente feliz com a nova parceira, Tomas se vê em conflito quando descobre que Martin também tem um caso. 

Tendo Paris como palco, o longa reúne uma equipe bastante diversa. Começando pelo alemão Franz Rogowski, figurinha carimbada no atual cinema europeu, que aqui interpreta com maestria um diretor narcisista e controlador. O britânico Ben Whishaw é o rosto mais conhecido graças a participações em grandes produções, como a franquia 007 e o recente “Entre Mulheres”. Por último, mas não menos importante, temos Adèle Exarchopoulos, vencedora da Palma de Ouro em 2013 pela atuação no polêmico “Azul é a Cor mais Quente”, quando tinha então apenas 20 anos. Em “Passagens” esse trio nem sempre é mostrado de maneira equilibrada, contudo o protagonismo de Rogowski é claro e a centralidade das problemáticas assim como reações giram em torno dele. Se Martin e Agathe parecem meros instrumentos e/ou degraus para Tomas, essa percepção não é por acaso. De fato, temos diante da câmera uma personalidade narcisista por excelência. As cenas mais íntimas e as do cotidiano também apresentam esse desequilíbrio proposital, pois se através do sexo é possível ver conexão e entrega, o mesmo não se vê no dia a dia, seja em conversas banais ou em planejamentos familiares que requerem mais responsabilidade. 

O distanciamento da câmara e as sequências mais “frias” que geralmente vêm seguidas de planos sensuais mais “quentes”, pode incomodar aos que encaram como necessário terem sentimentos tais como empatia ou identificação. Em “Passagens”, Ira Sachs não parece querer estreitar laços com o público e, correndo o risco de parecer repetitivo, trata-se de uma proposta bastante condizente com o tipo de relação retratada em tela. Um modelo que ao subverter a lógica do amor romântico, criou seus próprios monstros. 









Nenhum comentário