Adsense Cabeçalho

Especial Halloween : Os 50 anos de 'O Exorcista'

A saga do medo que sacodiu a indústria e revolucionou o gênero do terror 

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 


O século XXI testemunhou um notável aumento nos números de bilheterias, muitos ultrapassando a marca do bilhão de dólares. No entanto, restringir a análise desses fenômenos a curto prazo é negligenciar a complexa estrutura de lançamento e distribuição que se originou nos anos 70 e que impulsionou longas como "Tubarão" e "Star Wars", dois fenômenos de público que estabeleceram os alicerces do conceito do blockbuster contemporâneo. “O Exorcista” não apenas sacudiu a indústria, como também mobilizou multidões aos cinemas, revoltou autoridades da igreja e da academia, sendo alvo de debates até os dias de hoje, quase meio século após seu lançamento.  

O ano era 1971 quando "O Exorcista", escrito por William Peter Blatty, chegou às livrarias e instantaneamente se tornou um best-seller. Um ano depois, a Warner Bros adquiriu os direitos e iniciou a busca por um diretor, uma tarefa que se provou desafiadora. Cineastas do calibre de Mike Nichols, Arthur Penn e Peter Bogdanovich recusaram as ofertas até que Blatty, que também era produtor, lembrou de William Friedkin, com quem havia cruzado caminhos durante sua carreira de roteirista na TV, quando Friedkin chamara um de seus textos de “a pior merda que já li na vida”. Segundo o próprio Blatty, ele riu da lembrança. Friedkin era ainda um jovem cineasta e recém vencedor do Oscar por “Operação França”. Também havia criado certa reputação na indústria e não se deixava ditar pela etiqueta de Hollywood, porém, a despeito da má fama, foi escolhido por ser “alguém que pudesse dar àquela fantasia uma aura de verdade”. 

Entusiasta de primeira hora, Friedkin embarcou na ambiciosa missão de tornar realidade uma trama cheia de desafios, a começar pelos efeitos especiais, afinal naquela época não era banal tornar convincentes acontecimentos como possessão, levitação e todo tipo de fenômenos paranormais. Embora tenham sido cogitadas estrelas de renome como Jack Nicholson e Marlon Brando para o elenco, o diretor optou por atores talentosos, porém menos populares, como Ellen Burstyn e a então desconhecida Linda Blair. A única exceção foi o veterano Max Von Sydow, que deu vida ao padre Merrin. As filmagens tiveram início em agosto de 1972, com um orçamento inicial de 4,2 milhões que, devido às extravagâncias e perfeccionismos de Friedkin, acabou chegando a 12 milhões. Após controvérsias e adiamentos, o filme finalmente foi lançado em dezembro de 1973. 

A recepção crítica de "O Exorcista" foi dividida, mas para a maioria do público o filme atingiu seu objetivo de forma impactante. Até hoje, não é incomum ouvirmos relatos de pessoas passando mal nas salas de cinema durante as exibições, assim como uma suposta recomendação para que ambulâncias estivessem de prontidão próximas aos cinemas. Apesar do aparente exagero, em uma sociedade dos anos 70 ainda pouco acostumada com cenas de sangue, vômitos e vísceras, não é difícil acreditar que tais eventos tenham realmente ocorrido. "O Exorcista" fazia parte do movimento da "Nova Hollywood" e, de muitas maneiras, desafiou as convenções sociais da época. Esse foi um período em que os Estados Unidos estavam culturalmente abalados devido aos eventos da década anterior, com movimentos de contracultura e o desgaste causado pela Guerra do Vietnã. O filme arrecadou cerca de 160 milhões em uma época em que o ingresso custava apenas 3 dólares, tornando-se a maior bilheteria da história do cinema até então. 

A trama de "O Exorcista" se desdobra em quatro frentes. Primeiramente, somos apresentados ao padre Merrin (Max Von Sydow) durante uma expedição arqueológica no Egito, onde ele encontra um misterioso artefato. Logo depois, a história se transfere para os Estados Unidos, onde a atenção se concentra na protagonista Chris MacNeil (Ellen Burstyn), uma atriz que ao testemunhar estranhos acontecimentos em casa, se vê desesperada quando esses fenômenos atingem sua filha Regan (Linda Blair).  Em paralelo, acompanhamos Damien Karras (Jason Miller), um padre da paróquia local e psiquiatra da Universidade de Georgetown, que, devido a dolorosa perda de sua mãe, passa por uma crise de fé, até ser procurado por Chris para ajudar a salvar Reagan. Enquanto essas tramas se desenrolam, o Tenente Kinderman (Lee J. Cobb) investiga uma morte misteriosa que pode estar relacionada à família MacNeil. 

Uma das maiores proezas que faz de "O Exorcista" uma obra-prima é sua habilidade excepcional de trabalhar e entrelaçar histórias aparentemente desconexas. Embora a família protagonista tenha um tempo de tela mais significativo, cada personagem secundário recebe pelo menos uma grande cena que contribui para a narrativa. Especial atenção também é dada ao padre Karras, personagem que dá título ao filme, cujo drama pessoal possui um forte apelo emocional, e esse elemento é habilmente explorado no clímax final. A trilha sonora, com destaque para "Tubular Bells" de Mike Oldfield, é icônica e ainda ressoa no gênero de terror. Embora os efeitos visuais possam parecer datados em comparação com os padrões atuais, é importante lembrar que na época de seu lançamento, eles eram verdadeiramente inovadores e revolucionários, acrescentando uma camada extra de autenticidade na trama. 

Apesar de ter conquistado uma excelente recepção do público, "O Exorcista" enfrentou uma resposta oposta por parte da academia, recebendo 10 indicações ao Oscar, mas vencendo apenas 2: roteiro adaptado e melhor trabalho de som. Resultado muito aquém do esperado. A campanha para as premiações estava em alta, com elogios e vitórias no Globo de Ouro para Melhor Filme, Direção, Roteiro e Atriz Coadjuvante. No entanto, um boicote liderado por figuras influentes da indústria, como George Cukor e Robert Aldrich, evidenciou o preconceito histórico da academia contra o gênero do horror. Aldrich chegou a alegar que a vitória de "O Exorcista" marcaria o fim da era clássica de Hollywood, enquanto Cukor, membro do comitê executivo, removeu a categoria de Melhores Efeitos Especiais, que o filme teria vencido com facilidade. Esses eventos só vieram a público em abril, após o encerramento da cerimônia do Oscar. 

"O Exorcista" é um marco que transcende o gênero de terror, desafiando convenções sociais e cinematográficas de sua época e permanece uma obra-prima de narrativa habilmente entrelaçada e efeitos inovadores que continuam a impressionar o público. Sua influência no cinema contemporâneo é inegável, e sua capacidade de criar um impacto duradouro é testemunho de seu poder e relevância ao longo das décadas. "O Exorcista" não apenas assombrou as telas, mas também deixou uma marca indelével na história do cinema, tornando-se um clássico imortal.






Nenhum comentário