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Festival do Rio: 'Segredos de Um Escândalo' | 2023

Longa propõe reflexão sobre a fascinação pelo  sensacionalismo midiático e a exposição pública 

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica  


A intensa fascinação do público por crimes escandalosos é frequentemente interpretada como um reflexo de uma suposta decadência sociocultural, amplificada pelas mídias digitais e a cobertura jornalística de massa. Entretanto, esse interesse pelo trágico não é tão novo quanto muitos imaginam. Ainda na Inglaterra do século XIX, já existia uma publicação semanal chamada "Illustrated Police News" que, de forma semelhante aos tabloides atuais, apresentava histórias sobre uma ampla variedade de eventos bizarros, inclusive crimes reais, acompanhados de detalhes sórdidos e ilustrações vívidas. No Brasil, já no século XX, autores como Nelson Rodrigues também ganharam notoriedade pelas crônicas, romances e peças de teatro de igual teor. É plausível considerar que todos possuímos uma faceta sombria, porém há uma distinção crucial entre o pensamento e a ação, como Platão observou: "Os bons homens se limitam a sonhar aquilo que os maus praticam". Baseado numa história real, "Segredos de um Escândalo", explora esse fascínio popular pelo sórdido. Sob a direção intensamente dramática de Todd Haynes e com atuações brilhantes de Natalie Portman e Julianne Moore, o filme desperta e incita nossas curiosidades e interesses mais sombrios. 

Na trama acompanhamos Elizabeth Berry (Natalie Portman), uma atriz que se propõe a realizar um laboratório sobre a mulher que interpretará em um filme, Gracie (Julianne Moore) e para isso, se aproxima tanto dela quanto de familiares. Décadas atrás, Gracie foi alvo midiático após se envolver com um menino de apenas treze anos de idade (quando adulto, interpretado por Charles Melton), sendo acusada e condenada por aliciar e abusar sexualmente do rapaz, e que mais tarde viria a se tornar seu marido e pai de seus filhos.  

Apesar da premissa envolvente, o filme brilha, sobretudo, graças às atuações magistrais de duas titãs do cinema, Natalie Portman e Julianne Moore. Portman oferece uma interpretação manipuladora e persuasiva, enquanto Moore, musa de longa data do diretor Todd Haynes, protagoniza cenas fortes com Portman repletas de complexidade. Suas palavras, quando analisadas à luz das expressões faciais e corporais, muitas vezes revelam significados ocultos. No entanto, a verdadeira surpresa surge com Charles Melton, em seu primeiro papel de relevância no cinema, se mostrando à altura das duas atrizes consagradas. A trilha sonora se destaca pela sua intensidade e habilidade em manipular as emoções, algo que ressoará com o público que aprecia dramas de cunho mais teatral ou novelesco. À medida que a história se desenrola, o mistério cede lugar ao suspense, criando uma crescente tensão que, por sua vez, confere ao filme um ritmo mais envolvente, mesmo quando a atmosfera se torna mais densa. 

Uma possível barreira para a apreciação da narrativa de "Segredos de um Escândalo" não é de ordem técnica, mas sim temática. O foco principal da história repousa nas personagens de Portman e Moore, ambas revelando personalidades moralmente questionáveis e até mesmo repulsivas. Este não é um filme que busca despertar empatia ou criar torcida pelo destino delas. Pelo contrário, o diretor Todd Haynes propõe uma visão crítica dessa incômoda curiosidade quase mórbida pelo escrutínio público e pela exposição sensacionalista, levantando questões sobre o julgamento moral e, ao destacar personagens com ações ambíguas, Haynes convida a refletir sobre a intrincada natureza das motivações humanas. Em contrapartida, ele não oferece uma "moral da história" ou respostas prontas, deixando nas mãos do espectador o amargor desse sentimento tão prazerosamente angustiante. 






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