Adsense Cabeçalho

'Máfia da Dor' : um remédio (quase) ineficaz em uma crise longe de terminar | 2023

NOTA 7.0 

Por Maurício Ferraz @outrocinéfilo 


Em uma manhã como qualquer outra de 2017, surgia pelos noticiários a acusação de mais um esquema complexo de corrupção de uma empresa dessas que fazem parte de um grande conglomerado responsável pela produção de medicamentos nos Estados Unidos. Antes, já blindada por uma camada espessa de incertezas, o público se agarrava ainda na confiança aos órgãos reguladores americanos para lidar com a saúde de suas famílias. É que a indústria que detém poderio inimaginável é alvo ainda de muitas medidas protecionistas e não é para menos, que aos poucos olhos, escândalos do setor possam chocar quem menos esperava. A Crise dos Opióides, por exemplo, que tem seu marco lá em meados dos anos 1990, tem consequências devastadoras até hoje a milhares de pessoas e abriu as cortinas para que a boa-fé pudesse ser investigada (um pouco) mais de perto. A produção da Netflix baseada em eventos reais, desenrola este esquema em três tempos: a presente narração, o passado filmado e a documentação da culpa dos envolvidos, todos compreendidos em uma cápsula revestida, leve ao paladar, porém potente assim que aterrissa no suco gástrico. 

Aquém das analogias, 'Máfia da Dor' é mais uma forma de fazer o público ciente, especialmente hoje em dia.  Com a inserção dos personagens, à primeira vista, parece mais um grupo cego pelo sucesso das vendas e a mudanças de vidas, que muito bem poderia servir de motivação em qualquer curso de vendas se retiradas as partes imorais.  Liza, uma mãe solteira interpretada pela sempre excelente Emily Blunt, é recrutada por Pete (Chris Evans) para a equipe de vendas de medicamentos para o Câncer. Após o início promissor, é coagida (“off the records”) a participar da “compra” de médicos fáceis de lidar. A trama a partir de então é desenvolvida pela ascensão meteóricas da empresa e de sua carreira profissional, sem esquecer das implicações no bem-estar de sua filha. 

Desde o início, uma narração dominante engole as cenas para deixar ainda mais claro o posicionamento de cada peça neste esquema, para não haver chances de quaisquer lacunas para a grande resolução - geralmente ao fim quando confrontamos as pessoas reais aos personagens fictícios que os representaram -. Mas o que reforça essa seriedade e adiciona traços de realidade ao que é visto, é com certeza a estética documental que assume. Utilizando o preto e branco, coloca os personagens, ainda fictícios, como se estivessem sendo entrevistados para serem astros de seus próprios filmes, relembrando e confessando a todos o que haviam feito para burlar o sistema regulatório dos Estados Unidos, sem brilho e despidos de qualquer exatidão de seus traços pelas histórias que passam a ser o principal foco de interesse ali. Esta quebra pragmática é diferente de todo o restante, que assume um tom amarelado que empalidece a todos, mas que por outro lado, destaca o brilho e reluz como ouro daquilo que é para ser visto na ‘vida fácil’. Este contraste funciona muito bem e coloca o espectador de volta à realidade sempre que preciso. 

O roteiro abocanha uma breve fatia da história, apenas o necessário para que, somado a atuações convincentes, seja preciso e espere por um ponto final, capaz de instigar a audiência e manter vivo o sentimento de urgência, numa forma linear de suspense esperado. 

Mesmo pessimista de minha parte, o julgamento real e este filme-denúncia que surge como consequência, infelizmente, parece até ser apenas mais uma dose homeopática ao vírus que se multiplica pela indústria, afinal, mesmo após a Crise dos Opióides, mais escândalos vieram à tona e continuam acontecendo, sem que ninguém genuinamente se importe. Basta ver os noticiários recentes das ameaças de novas drogas que surgem aos montes e complicam a saúde pública em vários países. Inclusive no nosso.






Nenhum comentário