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‘Softie’: um delicado coming-of-age sobre carências, sentimentos confusos e descobertas | 2023

NOTA 7.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme


O coming-of-age é um entre tantos subgêneros cinematográficos herdados da literatura. Advindas do chamado bildungroman alemão, obras deste tipo, geralmente, contam histórias sobre o amadurecimento frente, sobretudo, à perda de uma sensação de segurança. Tendo em vista tal aspecto, “Softie”, produção francesa que estreia nesta quinta-feira, diferencia-se um pouco dos demais já que seu protagonista, o jovem Johnny, é mais uma entre tantas crianças vulneráveis, afetadas por fazerem parte de famílias que se formam sem qualquer planejamento.

Embora se inicie com a família do menino sendo realocada após o fim de mais um relacionamento “amoroso” conturbado da mãe, não é possível dizer que, antes, ele vivia no que poderíamos chamar de um lar seguro. Metaforizado de forma sutil pelo peitinho que carrega cuidadosamente para o seu novo endereço, o personagem interpretado por um excelente Aliocha Reinert em pouco menos de dez minutos de projeção é testemunha das mais diversas formas de violência: xingamentos, agressões físicas, consumo de drogas e exposição precoce à nudez, se não estão todas diretamente relacionados à sua pessoa, acabam por compor sua triste rotina. Além disso, Johnny, mesmo tendo um irmão mais velho, já se vê obrigado a dividir com a mãe (Mélissa Olexa), atendente numa tabacaria em Forbach, os cuidados com a irmãzinha, o que o obriga a adquirir um senso de responsabilidade maior do que sua pouca idade exigiria.

Por isso, não é de se estranhar que a escola, em muitos momentos, funcione como uma válvula de escape. Lá, Johnny se aproxima de Jean (Antoine Reinartz), professor recém-chegado à região fronteiriça entre a França e a Alemanha, e que enxerga nele muito potencial. Não tarda para que as carências do menino, alguém em fase de descobertas – a sexualidade, inclusive – e repleto de sentimentos confusos, sejam gradualmente jogadas naquele que lhe deu um pouco de atenção. Assim, o que a princípio parecia ser reflexo da ausência de uma figura paterna, aos poucos, vai dando lugar a algo para além da admiração e do carinho natural que pode surgir em um discípulo para com seu mestre, chegando perigosamente, à certa altura, às raias da obsessão.

Diferente do que fez Thomas Vintenberg no magistral “A Caça”, o diretor Samuel Theis (“Party Girl”) não está interessado no aspecto moral ou nos julgamentos sociais (deturpados propositalmente no longa dinamarquês) a partir da aproximação indevida entre um adulto e uma criança. Ao colocar o professor como um profissional correto e preocupado com a formação de Johnny, o roteiro de “Softie” – escrito pelo próprio Theis a partir de suas vivências – mostra-se bem mais interessado em narrar, de maneira bastante delicada, um processo de autoconhecimento e amadurecimento diante das frustrações e dos sentimentos reprimidos que, inevitavelmente, a vida nos obriga a administrar, e como a falta de amparo familiar torna essa jornada muito mais complexa.  






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