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'Três Tigres Tristes' : alegórico e extravagante, novo filme de Gustavo Vinagre faz do discurso sua razão de ser | 2023

NOTA 5.0

Tarde demais, mamãe 

Por Vinícius Martins @cinemarcante 


Existe um momento muito frustrante quando se está acompanhando um filme, que é aquele em que você, enquanto público, percebe que o que está assistindo está descaradamente tentando te induzir a sentir algo. Claro, cinema é um jogo de emoções, mas quando falta sutileza na abordagem e na manipulação emocional daquilo que está sendo proposto o resultado acaba sendo uma desconexão inevitável entre os espectadores e a obra. Embora esse não seja o caso de ‘Três Tigres Tristes’, há de se assumir que existe um caráter similar no que diz respeito à mensagem que o filme insiste em passar. De forma objetiva, o problema não está na mensagem, mas sim na forma como ela tenta ser transmitida.

Traçando um paralelo com o cinema cristão/evangélico, uma problemática que em muito me incomoda é a falta de tato naquilo que o filme quer comunicar. No caso dos filmes cristãos, existe uma maioria esmagadora de obras que querem enfiar ideologias goela abaixo nos espectadores enquanto tratam essas ideologias como verdades absolutas, como se dissessem “olhe só, é isso aqui que acontece, é assim que funciona, seu pensamento está errado e você deve parar de pensar o contrário do que falamos aqui”. Isso foi o que me pareceu acontecer, de forma equivalente, com ‘Três Tigres Tristes'. O filme se dedica, em boa parte de sua exibição, a ser uma manifestação artística e empoderada, destacando pautas de diversidade de gênero e propondo uma normalização e quebra de preconceitos quanto aos portadores do HIV. Falta, no entanto, sutileza para que essas mensagens (cuja importância é grande e não ouso questionar tais méritos) sejam passadas sem cair em um abismo didático, e o que se vestia inicialmente como arte vai se mostrando aos poucos mais como uma panfletagem ideológica do que como narrativa elaborada. É como se o filme estivesse ali pelo discurso, e não o discurso em favor do filme como ferramenta de desenvolvimento textual.

Personagens aleatórios entram e saem de cena sem nenhuma relevância narrativa, a problemática dos tais três tigres é pobre e as performances musicais, embora boas, acabam prejudicadas por uma condução que abdica de qualquer impressão íntima quanto aos toques e emoções que quem está em cena procura transmitir. Desse modo, assistir ‘Três Tigres Tristes’ é uma experiência crua, e acredito que seja propositalmente assim. Contudo, nem tudo que é proposital funciona de acordo com as intenções de quem idealizou o projeto, e muitas vezes o tiro sai pela culatra. Devo dizer, com alguma infelicidade, que é o caso deste média-metragem aqui. O filme não conseguiu me tornar íntimo de nenhum dos seus protagonistas ou coadjuvantes, e isso não é culpa da realidade diferente que vivo cotidianamente (em minha defesa alego que consegui me importar, em contrapartida, com os problemas vividos pelos protagonistas de ‘Quem Quer Ser um Milionário?’, de 2008, e de ‘Moonlight’, de 2016, cujas culturas e visões de mundo tão distintas conseguiram me acolher com uma narrativa equilibrada e coesa), e sim dos indivíduos que encabeçaram a produção. É uma obra que tinha potencial de dialogar com todos, mas escolheu um nicho bem específico para acariciar e, com isso, deixou de ser tão grande quanto poderia ser se tivesse focado mais na própria estrutura do que na mensagem que tanto ansiava propagar.

Existe, apesar dos pesares, um certo charme no humor de absurdos e extravagâncias que o diretor imprime, mas mesmo esse bom traço do filme parece só uma alegoria para a grande alegoria que o filme é. O saldo final não empolga, nem emociona, nem cativa. Todavia, minha maior frustração reside no fato de o filme ter me servido respostas prontas ao invés de me instigar com perguntas para que eu, sozinho, alcançasse essas mesma respostas. É como se a obra não abrisse espaço para diálogo ou debate, e apresentasse algo definitivo - e se algo é definitivo, então não adianta questionar. Se não há espaço para debate, então questiono: como existirá espaço para a pluralidade? Essa resposta, a mais importante, o filme não se preocupou em dar.





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